A que jogam os Estados Unidos e a Alemanha?

(Por Thierry Meyssan, in Rede Voltaire, 18/10/2022)

À frente dos nossos olhos, a Alemanha, que acaba de perder o seu aprovisionamento em gás russo e não poderá obter melhor que um sexto dele na Noruega, afunda-se na guerra da Ucrânia. Ela torna-se a placa-giratória de acções secretas da OTAN que contra ela, em última análise, actua. O conflito actual é particularmente opaco quando se ignoram as ligações entre os Straussianos dos EUA, os sionistas revisionistas e os nacionalistas integralistas ucranianos.


A guerra na Ucrânia funciona como um isco. Não vemos mais do que isso e esquecemos o conflito principal em que ela está inserida. Como resultado, não compreendemos aquilo que se passa no campo de batalha, nem percebemos correctamente a maneira como o mundo se reorganiza e, particularmente, como o continente europeu evolui.

Tudo começou com a chegada de Joe Biden à Casa Branca. Ele rodeou-se de antigos colaboradores que conhecera durante a sua vice-presidência: os Straussianos [1]. Esta pequena seita vai variando de cor política, ora republicana, ora democrata, consoante o partido do presidente em exercício.
Os seus membros, quase todos judeus, seguem o ensinamento oral incendiário de Leo Strauss. Eles estão convencidos de que os homens são perversos e as democracias fracas. Mais: elas não foram capazes de salvar o seu povo da Shoah (Holocausto) e não o serão da próxima vez. Assim, pensam que só poderão sobreviver promovendo uma ditadura e mantendo o controle desta. Nos anos 2000, tinham idealizado o Project for a New American Century (Projecto para um Novo Século Americano-ndT). Desejaram ao máximo um « Novo Pearl Harbor », o qual chocaria de tal modo o espírito dos Norte-Americanos que lhes permitiria impor os seus pontos de vista. Foram os atentados do 11 de Setembro de 2001.

Estas informações são chocantes e difíceis de admitir. Ora, existem muitos obras tidas como sérias sobre este assunto. Acima de tudo, a progressão dos Straussianos desde 1976, data da nomeação de Paul Wolfowitz [2] para o Pentágono, até aos dias de hoje confirma amplamente os piores receios. Na Europa, os Straussianos não são conhecidos, mas os jornalistas que os apoiam são. Qualificam-nos de « neo-conservadores ». É preciso reconhecer que os intelectuais judaicos jamais apoiaram esta minúscula seita judaica.

Retomemos a nossa história. Em Novembro de 2021, os Straussianos enviaram Victoria Nuland para intimar o governo russo a apoiá-los. Mas o Kremlin respondeu-lhes propondo um Tratado que garantisse a paz, ou seja, contestando não só o projecto Straussiano, mas também a pretensa política de segurança dos Estados Unidos [3]. O Presidente Vladimir Putin pôs em causa a expansão da OTAN para o Leste, que ameaça o seu país, e a maneira como Washington não cessa de atacar e de destruir Estados, nomeadamente no « Médio-Oriente Alargado ».

Então, os Straussianos provocaram deliberadamente a Rússia a fim de a irritar. Encorajaram os « nacionalistas integralistas » ucranianos a bombardear os seus compatriotas no Donbass e a preparar um ataque simultâneo ao Donbass e à Crimeia [4]. Moscovo (Moscou-br), que não tinha qualquer fé nos Acordos de Minsk e se preparava desde 2015 para um confronto mundial, julgou que chegara o momento. Entraram na Ucrânia 300. 000 soldados russos para «desnazificar« o país [5].

O Kremlin considera com razão que os « nacionalistas integralistas », que se haviam aliado aos nazis durante a Segunda Guerra Mundial, continuam a partilhar a ideologia racialista.

Mais uma vez, o que escrevo é chocante. Os livros de referência dos nacionalistas ucranianos nunca foram traduzidos nas línguas ocidentais, incluindo o “Nacionalismo” de Dmytro Dontsov. Se ninguém sabe o que Dontsov fez durante a Segunda Guerra Mundial, toda gente conhece os crimes dos seus discípulos, Stepan Bandera e Yaroslav Stetsko. Estas indivíduos eram devotados ao Chanceler Adolf Hitler. Eles encorajaram e por vezes supervisionaram o assassinato de, pelo menos, 1,7 milhões dos seus compatriotas, entre os quais 1 milhão de judeus. À primeira vista, parece difícil acreditar vê-los aliados aos Straussianos e ao Presidente judeu Zelensky, como declarou o Ministro russo dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), Serguei Lavrov. Com efeito, o Primeiro-Ministro israelita, Naftali Bennett, tomou imediatamente posição contra eles [6]. Ele aconselhou mesmo o Presidente Zelensky a ajudar os russos a limpá-los do seu país. Mas a relação de forças é tal que o seu sucessor, Yair Lapid, embora partilhando as ideias de Bennett, e recusando fornecer armas à Ucrânia, mantém um discurso atlantista. Ora, nós recordamos que Paul Wolfowitz presidiu em Washington a um importante congresso com ministros ucranianos. Aí, prometeu apoiar o combate dos nacionalistas integralistas contra a Rússia [7].

No entanto, os laços entre os « nacionalistas integralistas » ucranianos e os « sionistas revisionistas » do Ucraniano Vladimir Jabotinsky são históricos. Em 1921, eles negociaram um acordo segundo o qual se uniriam contra os Bolcheviques. Dada a longa sucessão de “pogroms” que os « nacionalistas ucranianos » haviam já perpetrado, a revelação deste acordo, uma vez que Jabotinsky fora eleito para o Comité dirigente da Organização Sionista Mundial, provocou uma rejeição unânime da diáspora judaica. O Polaco (Polonês-br) David ben-Gurion, que tomou em mãos a milícia de Jabotinsky na Palestina, qualificou-o de «fascista» e «possivelmente nazi». Posteriormente, Jabotinsky exilou-se em Nova Iorque, aonde se lhe juntou um outro Polaco, Bension Netanyahu, o pai de Benjamin Netanyahu, o qual se tornou seu secretário particular [8].

Após a Segunda Guerra Mundial, o ideólogo Dontsov e os dois assassinos principais, Bandera e Stetsko, foram recuperados pelos Anglo-Saxónicos. O primeiro foi exilado para o Canadá, depois para os Estados Unidos, apesar do seu passado de administrador do Instituto Reinhard Heydrich encarregado da coordenação da « solução final » [9], enquanto os outros dois o foram na Alemanha a fim de trabalhar na rádio anti-comunista da CIA [10]. Após o assassinato de Bandera, Stetsko tornou-se co-presidente (com Chiang Kai-chek) da Liga Anti-comunista Mundial, na qual a CIA reúne os seus ditadores e criminosos preferidos, entre os quais Klaus Barbie [11].

Voltemos ao ao nosso assunto. Os Straussianos nada têm a ver com a Ucrânia. O que lhes interessa é a domínio do mundo e, portanto, a subordinação de todos os outros protagonistas: da Rússia [da China] e dos Europeus. Foi isso que Wolfowitz escreveu em 1992 qualificando estas potências de «competidores», o que elas não são [12].

Os Russos não se iludem. Foi por isso que enviaram muito poucas tropas para a Ucrânia. Três vezes menos que o Exército ucraniano. É, portanto, estúpido interpretar sua lentidão como um revés quando se reservam para o confronto directo com Washington.

Discursando em 16 de Outubro por ocasião de um juramento de bandeira de voluntários, o Primeiro- Ministro húngaro, Viktor Orbán, declarou : « Quem quer que pense que esta guerra terminará por negociações russo-ucranianas não vive neste planeta. A realidade é diferente ». Segundo ele, só uma negociação russo-americana lhe poderá por um fim.

Agora, os Straussianos pressionaram a sabotagem dos gasodutos Nord Stream. Contrariamente ao que alguns afirmam, não se trata de quebrar a economia russa, que tem outros clientes, mas a indústria alemã que não pode prescindir destes [13]. Em condições normais Berlim deveria ter reagido ao crime do seu suserano. Mas nada ! Totalmente ao contrário. Desde a chegada de Olaf Scholtz à Chancelaria, o seu governo montou um vasto sistema visando « harmonizar as notícias » [14]. Ele é supervisionado pela Ministra do Interior, a social-democrata Nancy Faeser. Todos os média (mídias-br) russos que se destinam a um público ocidental foram proibidos pelas « democracias » desde 24 de Fevereiro de 2022, quer dizer, a partir da aplicação pelo Exército russo da Resolução 2202 do Conselho de Segurança. Hoje em dia, citar esta Resolução na Alemanha e partilhar a interpretação russa é assemelhado a «propaganda». É realmente surpreendente ver os Alemães afundar as suas instituições eles próprios. No século XX, a Alemanha que tinha sido o farol da Técnica e das Ciências antes da Primeira Guerra Mundial tornou-se, em poucos anos, um país cego que cometeu os piores crimes. No século XXI, quando a sua indústria era a mais performante do mundo, a Alemanha cai de novo na cegueira sem motivo. Assumem a sua própria queda em proveito da Polónia e a da União Europeia em favor da Iniciativa dos Três Mares (Intermarium) [15].

Por seu lado, os Straussianos utilizam seus privilégios na Alemanha. As bases militares dos EUA gozam de uma total extraterritorialidade e o governo federal não tem o direito de limitar a sua actividade. Assim, quando em 2002 o Chanceler Gerhard Schröder se opôs à guerra dos Straussianos no Médio-Oriente, não pôde impedir o Pentágono de usar as instalações na Alemanha como bases de retaguarda para a invasão e destruição do Iraque.

Foi em Ramstein (Renânia-Palatinado) que o Grupo de Contacto de Defesa da Ucrânia se reuniu. Os delegados dos cerca de cinquenta Estados convidados, depois de terem sido extorquidos a fim de dotar Kiev de uma infinidade de armas, tiveram direito a explicações sobre o Conceito de funcionamento da Resistência (Resistance Operating Concept — ROC). Trata-se de reactivar, pela enésima vez, as redes de stay-behind (acção de retaguarda-ndT) montadas no final da Segunda Guerra Mundial [16]. À época, foram criadas primeiro pela CIA norte-americana e o MI6 britânico, antes de serem integradas na OTAN. Os antigos nazis e os « nacionalistas integralistas » ucranianos foram o seu principal componente.

A rede stay-behind actual é coordenada, desde 2013, pela OTAN na sua base de Stuttgart-Vaihingen (Baden-Württemberg), onde estacionam as Forças Especiais dos EUA para a Europa (SOCEUR). Trata-se de criar um governo no exílio e de organizar sabotagens no modelo do que fizeram o General Charles De Gaulle e o Prefeito Jean Moulin durante a Segunda Guerra Mundial. Otto C. Fiala acrescentou-lhe as manifestações não-violentas testadas pelo Professor Gene Sharp no bloco do Leste, e depois durante as « revoluções coloridas » [17]. Lembremos que, contrariamente ao que ele afirmava, Gene Sharp sempre trabalhou para Aliança Atlântica [18]. A primeira manifestação da Stay-behind ucraniana teve lugar em 8 de Outubro com a sabotagem da ponte da Crimeia, sobre o estreito de Kerch.


[1] “A Rússia declara guerra aos Straussianos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Março de 2022.

[2] «Paul Wolfowitz, el alma del Pentágono», por Paul Labarique, Red Voltaire , 24 de febrero de 2005.

[3] “A Rússia quer obrigar os EUA a respeitar a Carta das Nações Unidas“, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Janeiro de 2022.

[4] Os planos deste ataque foram revelados pelo Ministério russo da Defesa. Podem encontrá-los aqui no nosso sítio.

[5] « Um bando de drogados e de neo-nazis », Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Março de 2022.

[6] “Israel aturdido pelos neo-nazis ucranianos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Março de 2022.

[7] “Ucrânia : a Segunda Guerra mundial continua”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Abril de 2022.

[8] Cf. Voltaire, Actualidad Internacional, N°8, 30 de septiembre de 2022.

[9Ukrainian nationalism in the age of extremes. An intellectual biography of Dmytro Dontsov, Trevor Erlacher, Harvard University Press (2021).

[10Stepan Bandera: The Life and Afterlife of a Ukrainian Nationalist: Facism, Genocide, and Cult, Grzegorz Rossoliński-Liebe, Ibidem Press (2015).

[11] «La Liga Anticomunista Mundial, internacional del crimen», por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 20 de enero de 2005.

[12] « US Strategy Plan Calls For Insuring No Rivals Develop » Patrick E. Tyler and « Excerpts from Pentagon’s Plan : “Prevent the Re-Emergence of a New Rival” », New York Times, March 8, 1992. « Keeping the US First, Pentagon Would preclude a Rival Superpower » Barton Gellman, The Washington Post, March 11, 1992.

[13] «Estados Unidos declara la guerra a Rusia, ‎Alemania, Países Bajos y Francia», por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 4 de octubre de 2022.

[14] «Dokumenten-Leak: Wie die Bundesregierung an einer „Narrativ-Gleichschaltung“ zum Ukraine-Krieg arbeitet», Florian Warweg, NachDenkSeiten, 29. September 2022.

[15] “A Polónia e a Ucrânia”, “Afundando a paz na Europa”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 1 de Julho de 2022.

[16] Sobre a rede “Stay-behind” em geral, ler : Les armées secrètes de l’Otan, Danièle Ganser, Demi-Lune. Sobre a “stay-behind” em França, ler : «Las redes estadounidenses de desestabilización y de injerencia », por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 20 de julio de 2001.

[17Resistance Operating Concept (ROC), Otto C. Fiala, Joint Special Operations University Press, 2020.

[18] «La Albert Einstein Institution: no violencia según la CIA », por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 10 de febrero de 2005.


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2 pensamentos sobre “A que jogam os Estados Unidos e a Alemanha?

  1. Quem fala tanto em sionismo deixa-me os pelos em pé; não faltam cristãos e até muçulmanos a assinar por baixo o projecto hegemónico, o homem tem que escrever com esse ênfase para quem?
    Mas, enfim, tem um erro menor. O Project for a New American Century foi escrito na década anterior para poder ser aplicado na próxima vitória republicana. Julgo que nem eles contavam com tanta colaboração da eurolândia, ao invés da força do excepcionalismo. Infelizmente, os trambolhões da segunda foram irrelevantes para alguém aprender alguma coisa, e estão cada vez piores.

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